Imagem ilustrativa

O bem estar animal tem ganhado a pauta de discussões não somente pela capacidade de oferecer à criação as liberdades fisiológica, comportamental, ambiental, psicológica e sanitária, mas também para garantir um produto de excelência na mesa do consumidor, após todo o ciclo de produção. Quem garante é a médica veterinária Cíntia Westphal Pereira, especialista em tecnologia, produção e higiene de produtos de origem animal e mestranda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS na área de inspeção de carnes e derivados, com ênfase em bem estar animal e abate humanitário de suínos.

Para Pereira, mais que promover o bem estar ao animal, ao aplicar as ferramentas para isso a indústria vai alcançar carne de qualidade e reduzir a perda com condenações de partes ou de carcaças inteiras. A estudiosa fez uma palestra sobre o bem estar e as consequências dessa prática para a qualidade da carne durante a Avisulat 2016 (Congresso Brasil Sul de Avicultura, Suinocultura e Laticínios), que aconteceu de 22 a 24 de novembro, em Porto Alegre, RS.

De acordo com Cíntia, as perdas na qualidade da carne por conta do mau manejo do plantel ocorrem em todas as criações, mas ela enfatizou as três mais importantes no Brasil: suinocultura, avicultura e bovinocultura. “Há dois tipos de perdas por conta do mau manejo. A primeira são as perdas diretas, causadas por problemas de contusões variadas na carcaça, que podem ocorrer geralmente no último dia antes do abate, pois os animais têm maior contato com os seres humanos. Há também as perdas indiretas, ocasionadas por duas situações: estresse agudo e estresse crônico”, destaca a profissional.

O estresse agudo, de acordo com a médica veterinária, ocorre imediatamente antes do abate por diversas situações, como estresse térmico ou briga entre lotes diferentes, já que suínos vivem em grupos e são hierárquicos. As consequências podem deixar “a carne pálida, mole e exsudativa, ou seja, que larga muita água quando está sendo preparada pelo consumidor”. Ainda segundo ela, o estresse crônico, que ocorre com mais antecedência do abate, também é grave, deixando a “carne escura, mais dura e mais seca”. “Essa carne de animal que sofreu estresse crônico não serve para produtos industrializados, pois eles terão perda de qualidade. Com relação a suínos, a perda de capacidade de retenção de água reduz rendimento na produção de industrializados. Essas perdas podem chegar a até 70% na produção de salsichas e salames. Além disso, essa carne fica inadequada para uso na produção de presunto cozido”, orienta a médica veterinária.

Segredo é o Manejo

De acordo com Cíntia, três são elos fundamentais para atingir o bem estar durante o tempo em que o animal está na propriedade rural: instalações, pessoas e animais. “Esses três elos precisam estar em plena harmonia, pois são os três elos fundamentais que regem o BEA (bem estar animal). De acordo com ela, o bem estar “é uma característica e não algo que possa ser fornecido”. “O homem só melhora o ambiente”, defende. Para Cíntia, o Conceito de Brum sobre bem estar é um dos que mais agrada, sugerindo o estado de um indivíduo em relação às suas tentativas de se adaptar ao ambiente, sem obstáculos. Segundo ela, o bem estar pode variar de muito bom a muito ruim, e hoje a indústria já tem a capacidade de medi-lo cientificamente.

Transporte e Abate

Mas o manejo não é somente importante durante o período de estada na fazenda. Durante o transporte e o abate, esse manejo é ainda mais importante, já que os animais saem de sua “zona de conforto” a que foram submetidos durante a criação, até aquele momento.

Aliás, para Cíntia essas são as duas etapas mais importantes para garantir a qualidade da carne. “As últimas 24 horas são cruciais, pois é nesse período que os animais têm mais contato com os seres humanos”, frisa. “O manejo é o conjunto de operações de movimentação que deve ser realizado com o mínimo de excitação e desconforto, proibindo-se qualquer ato ou uso de instrumentos agressivos à integridade física dos animais ou que provoque reações de aflição. O manejo engloba criação, transporte e abate”, justifica.

Conforme a estudiosa, as etapas que antecedem o transporte são basicamente jejum e carregamento. O jejum nos suínos ocorre entre oito e dez horas. Depois vem o carregamento, que provoca estresse, mas com bom manejo pode ser reduzido. O trabalhador tem que conhecer o comportamento animal, pois cada espécie tem suas particularidades”, comenta.

No transporte, alguns cuidados são fundamentais, segundo Cíntia. “O transporte tem que ter o planejamento da distância percorrida da produção ao matadouro, definição de horário – importantíssimo principalmente no verão, pois os suínos e aves são suscetíveis ao estresse térmico e morrem -, lotação ideal, estradas em boas condições, treinamento de motoristas e ventiladores e aspersores para os animais. Caso essas noções não sejam empregadas, de acordo com a palestrante, as perdas provocadas no transporte são inúmeras, como lesões, contusões e exaustão. A superlotação é um problema grave. De acordo com Cíntia, a não pode ser superior a 0,45 suíno por metro cúbico (suíno de 100 quilos).

Abate

Para evitar o estresse agudo nos animais e a consequente perda de qualidade da carne, Cíntia cita algumas ações que devem ser seguidas na hora em que o suíno chega ao abatedouro. De acordo com ela, é preciso haver um período de descanso, que varia entre seis e 24 horas, antes que os animais sigam para a insensibilização. Enquanto esperam, a estudiosa indica a instalação de materiais para enriquecer os ambientes. Segundo elas, eles têm a função de deixar os animais mais calmos e não entediados.

“Na etapa do matadouro existem diferentes momentos. Suínos e bovinos passam por descanso regulamentar entre seis e 24 horas, realizado em ambiente tranquilo, limpo, sem mistura de lotes, pois suínos vivem em grupos e são hierárquicos. Se misturar os lotes, vão brigar, o que gera lesões na carcaça e perdas econômicas”, pontua. “O descarregamento dos suínos não pode ser muito declive ou aclive. A condução dos animais deve ser por instrumentos como chocalhos, pranchas, lonas ou bandeiras, evitando o uso do bastão elétrico, apesar de ser permitido. A indústria precisa se preocupar com enriquecimento ambiental para bem estar também no abatedouro. O período entre a insensibilização e a sangria, no caso dos suínos, deve ser no máximo de 30 segundos”, orienta. “É melhor para os animais, para o trabalhador e para a qualidade”, pontua. “Isso só vai trazer ganhos para cadeia produtiva, para os animais e para os consumidores”, acrescenta.

Fonte: O Presente Rural.